O tempo, este inexorável mestre.

5 jan

– Vcs vão achar muito absurdo esta nova postagem assim tão próxima da última? Bom, em caso positivo, não estarão sozinhos. Alguns dos meus principais exemplos na vida foram meus professores. Alguns melhores, outros piores, e quem sou eu para julgar, mas sempre figuras que de algum modo tiveram minha atenção e inspiração. Talvez tanta, me fazendo herdar uma profissão na qual eu me completo.

Estava hoje numa agência bancária com a minha mãe. Coisas básicas, começando a resolver os primeiros problemas do ano. Fui ao atendimento pedir uma segunda via de cartão e minha mãe precisava pagar uma conta. Consegui colocá-la sentada e ficar ao seu lado de pé, na fila, aguardando o atendente.

O banco começa a lotar. Outras pessoas sentadas e algumas ficando em pé. Minha mãe me cochicha alguma coisa:

– Aquela não é aquela que foi sua professora na escola tal?

– Aquela? Quem, a tia Ana Claúdia?!

Para a pessoa que minha mãe estava apontando, eu só poderia me remeter a “tia Ana Cláudia””, embora em muito pouco, apenas nos detalhes mais óbvios, aquela figura ainda lembrasse a pessoa que eu tinha em minha lembrança. Era uma senhora bastante deixada, com um corpo já sem a sua melhor silhueta, em um vestido longo de alcinhas bastante simples. Os cabelos eram curtos de um castanho claro acinzentado bem sólido. Usava óculos, que deviam ser para perto. Nenhum sinal de vaidade foi detectado. O rosto era bastante envelhecido, mas uma observação mais cuidadosa do conjunto poderia convencer que já pertenceu há algumas décadas, ou em outra época, a uma bela mulher.

Mesmo assim, eu na minha ignorância juvenil, de quem ainda não sentiu na própria pele e na dos amigos de infância o peso do tempo, não conseguia acreditar. Não poderia ser a tia Ana Cláudia. Mais fácil se fosse alguma tia dela! Olhava e falava pra minha mãe que não era. Minha mãe falava pra ir lá perguntar quando fosse embora e eu dizia que não iria porque não estava a fim de confundir pessoas.

Finalmente, consegui ser atendida. Problema resolvido muito rápido. Minha mãe ainda tinha que ficar mais tempo no banco e eu tinha outras coisas para resolver fora dali. Nos despedimos e ela ainda insistiu pedindo que falasse com ela quando passasse por ali. E eu, descrente, falei apenas tááá boooommmm….

Caminhei para a porta. Aquela interrogação em forma humana estava ali bem ao lado, teria que passar por ela. Conforme caminhava nos aproximávamos e resolvi encarar, nos olhamos. Vontade de desviar o olhar, mas continuei, ela também, tirando os óculos. Diante da sua não desistência, quando colei perguntei, quase como quem fala sozinho:

– Tia Ana Cláudia?

Ela me respondeu como em seus melhores momentos no primário, virando apenas o rosto:

– Oi meu amor

Um mix de não tô entendendo que prazer é esse com que vontade ficar aqui e saber toda a sua vida quase se apossou de mim. Mas diante de um notável, porém não óbvio constrangimento dela, tive que me ater a um tudo bem?/ Tudo! Nossa, o que vc está fazendo?/ Hoje em dia eu também sou professora/ É mesmo?! (risos externos e com certeza internos também)/Ah! Eu já me aposentei!/ Nossa, esse é o meu sonho rs !/ Ah, se não mexerem nas leis de aposentadoria daqui a pouquinho vc chega lá/ Nossa que bom encontrá-la! Fiquei muito feliz mesmo/ Eu também fiquei/ Então tenho que ir… Tchau, tia Ana Claudia!

Só a vi olhando pra cima repetindo “Tia Ana Cláudia”, como quem acha muito absurdo ser chamado assim ainda. Uma graça. Uma sensação que deve ser mto legal para ela :)

Saí do banco bastante aérea com a situação.

Aquela era uma mulher que eu até esperava encontrar. Mas não naquela forma. A tia Ana Cláudia para mim era um modelo da mulher que eu gostaria de ser um dia, do alto da minha incompleta década de vida, como aluna do primário. A jovem tia Ana Cláudia, que na época nos dizia que tinha 21 anos de idade, respondia nas nossas entrevistas que eu e, claro, outras alunas admiradoras faziamos, que tinha um noivo e iria se casar aos 24 anos. Tinha um corpo perfeito para nossos olhares fixos e uma postura disciplinadora. Porém, era tão linda que chegava a ser gostoso intimidar-se com seu olhar. Tinha um rosto levemente quadrado que conferia uma elegância e seriedade muito distante, mas que me fazia fantasiar seus segredos quando sorria. Cabelos compridos, lisos, finos, louro escuros (quase castanhos) e com pontas aloiradas, numa época em que não existiam mechas californianas. Quando sobrava tempo ao final da aula, nunca tinha brincadeira: era cópia de tabuada. E sempre tínhamos cópias para casa. Era impressionante o poder daquela mulher há cerca de duas décadas atrás (alguém ainda achava que a autora deste blog ainda fosse uma adolescente?) sobre um batalhão de crianças recém saídas da classe de alfabetização, nos primeiros anos do primário. Ela nos dispensava no pátio da escola e se juntava a outras professoras em outra área, onde conversava e fumava, como uma dessas mulheres totalmente independentes. E, posso falar por mim, foi a primeira professora que admirei. Uma admiração distanciada, bem diferente da pré-colegial. E provavelmente a primeira admiração de todas que viriam posteriormente pelos diversos professores que viria a ter na vida. Na época, minha mãe estava grávida do meu irmão mais novo e pediu que eu desse o nome se fosse menina ou menino. Eu não só não aceitava a possibilidade de ser menino, como também já escrevia o nome da “futura bebê”: Ana Cláudia.

Hoje, a mulher que vi, já não era mais essa jovem, claro. Porém senti que a incomodava a inevitável comparação que obviamente eu faria entre passado e presente. A elegância e altivez se perderam em algum momento que desconheço. E percebi que o corpo inteiro não se voltou para conversar melhor comigo por isso. As mãos eram levadas a boca enquanto ela falava porque os dentes já estava em um estado provavelmente bem conhecido de quem fumou muito por muitas décadas. E ela os escondia.

O tempo passa, claro. Talvez um dia meus alunos que me elogiam e dizem que sou linda me encontrem na rua e não me reconheçam pelos mesmos motivos. Não estou aqui também para condená-la por tudo o que houve em sua vida e eu claramente desconheço.

O motivo disso tudo foi revisitar um momento tão bom da minha vida, em que tantas emoções e sentimentos foram provocados por tal pessoa e sentir, sem menos emoção, como é bom estar aqui sendo testemunha da severidade (inexorabilidade, em todas os sentidos da palavra) do tempo e poder ter esses minutos de uma tarde vendo isso ser aplicado da forma mais implacável, além do que eu poderia imaginar.

E pensar que, se eu fui ao dicionário pesquisar sobre a palavra “inexorável” é porque me lembro, desde os tempos das aulas da tia Ana Cláudia, das explicações de como usar aquelas páginas.

“Sinhá Tereza tem mania de limpeza. Esfrega que esfrega o chão com muita água e sabão”, primeiro trecho de A limpeza de Tereza de Sylvia Orthof. Lido nas aulas da tia Ana Cláudia para fazer a prova do livro.

Balanço 2015

30 dez

Vc (seja lá quem for) tem toda a liberdade para achar muita cara de pau, falta de vergonha, de consideração, d toda a moral e bons costumes isso que estou fazendo: após meses, voltar ao meu estimado blog atualizar, ainda por cima sobre um ano do qual eu não postei absolutamente nada. A minha resposta não poderia ser diferente de: Perdão. Continuemos….

[ Espaço reservado para seus protestos]

É claro que me permito essas graças pq sei que não existe esse meu leitor. Mas o exercício de escrever para entender melhor o mundo dentro e fora de mim continua incrivelmente válido. Ora, então vamos lá.

Afinal, p q fazer balanço de um ano? Além de ser algo importante, uma coisa me deixou curiosa: todos estão dizendo que 2015 foi um ano sinistro. Antes de confirmar isso, verei se 2015 foi um ano sinistro para mim.

Este ano foi muito agitado, realmente. Várias mudanças nos meus locais de trabalho ameaçaram acontecer. Algumas aconteceram, porém ainda sem influenciar tanto. Só saberei ano que vem.

Apesar de alguns desses amargos do trabalho, este ano tive a concretização de um sonho que já vinha sendo construído desde 2014. Agora, no último trimestre do ano, saiu a escritura do meu apartamento novinho em folha. Sim! As dores de cabeça e algumas pessoas que me diziam que não era hora, que meu crédito não iria sair, que meu planejamento financeiro não estava correto, foram todos compensados! A pior parte passou, a papelada foi processada, e bastante dinheiro já foi investido! Em 2016 já terei a chave e, imaginem só, já tenho até quem queira alugá-lo rsrsrs. Porém, só o tempo dirá o que será feito dele ano que vem. Será que eu morarei na minha própria casa em breve? Tem piscina, sauna, ofurô, espaço gourmet, academia, até espaço infantil (quem sabe eu não me empolgo? rs)… Este, sem dúvida, foi o graaaaande acontecimento de 2015. A nossa casa em Arraial também passou por um grande UP este ano. Estou muito satisfeita e cada dia lá é puro prazer. Estamos até alugando neste verão, um grande sucesso! Entre um grupo de hóspedes e outro conheço diversas pessoas e sempre tenho um bom tempo para bronzear e curtir.

Quanto a vida pessoal… Bem. Esta vai simplesmente muito bem. Não gosto de falar tanto sobre essa parte, mas acho importante marcar que estou finalmente em paz para ser, para viver. Pessoas especiais fazendo a sua passagem na minha vida de uma maneira que só tenho a agradecer. Há quem já tenha ouvido muitos agradecimentos :)

Ano de dançar músicas de academia, de retiros mentais e espirituais, estar mais próxima de amigos, decidir voltar a estudar, reavaliar comportamentos, ter uma alimentação saudável, malhar bastante e conseguir ter o corpo de sempre quis (foram 10kg ganhos em massa magra, nunca me senti tão orgulhosa fisicamente)…

Então é isso. A magia aconteceu em 2015, de alguma forma. Como estava conversando esta semana na academia. Cada dia mais acredito que quando paramos para observar a natureza e sua influência direta sobre nós, mais ficamos conscientes do mistério da vida. Tantas coisas são possíveis, tantas verdades nos envolvem, e quanto melhor vc reage, menor é o seu estresse para perceber que tal acontecimento veio realmente para o bem. Eu posso dizer que tive um ano mágico. Eu digo mágico porque não acho que apenas os meus simples atos e decisões seriam capazes de me dar tudo o que busquei, de me mostrar tudo o que eu vi, de me colocar onde e como eu estava para viver o que vivi. E claro, de me salvar de algumas situações desagradáveis também. E isso não significa não confiar na minha própria capacidade de alcançar o melhor, mas sim reconhecer que o universo tem conspirado ao meu favor e as boas energias não estão dormindo perto de mim! É assim que eu quero lembrar de 2015. 2014 foi o teste, 2015 foram os primeiros voos. É… 2016 promete!!!

Resumo: O balanço saiu positivo!!!

:D

Todas as coisas que os olhos podem ver

2 mar

Hj foi um dia merecedor de certos comentários.

Pela primeira vez desde o fim do horário de verão, consigo permanecer acordada e trabalhando pela madrugada, o horário mais agradável pra mim. Sem querer parecer sinistra, mas adoro trabalhar no silêncio, ou ao raro som dos morceguinhos passando pela janela! Ouvir uma música num volume baixo, “civilizado” e não precisar completa-la com a minha memória. Conseguir, de fato, ouvi-la! Usar fones de ouvido não tem sido uma idéia muito boa para mim ultimamente, lamentável… :/

Mas então, as coisas estão caminhando otimamente, não posso falar tudo, mas estão melhores do que eu esperava para o 1o semestre de 2011. Não estão o céu na Terra, mas estão seguindo um bom curso.
Sei que tenho fama de quem “esconde o jogo”, mas não é isso, entendam como “preservação do desconhecido” ou q eu esteja “sob o dominio da dúvida”.

Hj foi o início das aulas e estive na UERJ, claro. Discussão no grupo de pesquisa, assistir a recepção dos calouros… Modéstia a parte, meu curso se aprimorou no assunto e deu até inveja (dos calouros). Foi muito criativo, digno, sexy, bonito, estão de parabéns! A melhor calourada que tenho visto! E desta vez, eu assisti de uma posição realmente diferente… Deu gosto.

Saindo da UERJ para o ambiente “nada” hostil da rua, no ponto de ônibus, vejo uma cena que quase merecia um prêmio “Pulitzer” (ok, talvez não tudo isso), mas que bem me lembrou a memorável cena da criança e o abutre.
Estávamos no ponto dos ônibus que vão no sentido da zona sul, visivelmente um grupo de estudantes vindos da UERJ ou de qq outro ponto das redondezas. Alguns sujos de tinta do trote, outros namorando, outros conversando animadamente. Quando ao longe, surge aquela figura pequena, encapuzada, totalmente negra e de caminhar mal equilibrado, que por onde passava vinha provocando o afastamento das pessoas mais próximas. Veio em direção a umas senhoras que estavam mais a frente no ponto e logo sinalizaram para que ele continuasse na sua busca por algo com uma mão pequena e suplicante. Foi quando veio até nós e parou em frente a uma moça.

Uma cena dramatica de se observar. Não por um sentimentalismo hipócrita de um “flash” no dramalhão cotidiano. Uma cena realmente pitoresca pôde ser vista: Exatamente de um lado e de outro na minha frente, estavam posicionados legítimos representantes da contradição urbana; a moça, branca, jovem, saudável, suja do guache do trote, carimbada em toda a sua pele como um rito de passagem pelo “crivo” da UERJ, recem acolhida por um mundo de oportunidades. A sua frente, “a figura”, a pessoa do pedinte, negro, esquelético, escondido e generalizado dentro do casaco com o capuz, mas que poderia ter a mesma idade da moça, não se sabe, e por desnutrição e todo o tipo de peculiaridade humana ter virado aquela vaga imagem confinada no escuro da sua prisão social a qual só se pode ver uma mão estendida e uma voz fina, que sumia e voltava.

Não queria exagerar tanto assim na descrição. Mas na verdade pensei muito nela esta noite. Estou muito longe de viver num palácio de cristal e ser alheia as trocentas mil “figuras” como essa na cidade. Na verdade, claro, a reflexão durou mais do que os segundos desse encontro.

Me chame de ingenua, mas ficou a inquietude da fotografia, o incômodo da realidade. Da imagem real congelada. O que diferencia uma garota como aquela, que poderia ser eu também, quando entrei para a faculdade, possuidora de (a principio, vamos dizer) todos os direitos, de uma família; daquela outra pessoa, numa situação extremamente vulnerável, sujeita a todo tipo de violência e privação? Poderiam ser duas pessoas da mesma idade, do mesmo sexo (não se podia ao menos saber se era um homem ou uma mulher), porém vivendo situações totalmente discrepantes. Não sou sociologa, não sei usar as palavras certas, mas é certa a incompatibilidade de origens, oportunidades, direitos, exercícios de cidadania e previsões (apenas previsões) de futuro e a certeza de que muito temos a caminhar e prestando a atenção nos mínimos detalhes q mesmo esta descrição chata e enfática q eu fiz não conseguiu captar.

É algo a se pensar. Fiz questão de me deixar sensibilizar por essa cena antes que parecesse fazer parte da paisagem como muitas outras já fazem, pq eu sinto as vezes meu coração endurecendo e isso não vai me fazer bem.

Agora olha isso e canta comigo: